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Foto do escritorJoana Miguel Meneses

Victor Hugo Pontes: “A minha arte reflete aquilo que sou”

A celebrar 20 anos de carreira como criador está o vimaranense Victor Hugo Pontes. Nesta entrevista, recorda como começou a dançar, no Grupo Folclórico da Casa do Povo de Creixomil, a passagem pel'”A Grande Serpente”, em 1994, e fala ainda das mudanças que vê em Guimarães a nível cultural desde essa altura. Um spoil: foram “ui, tantas, mas tantas, tantas…”.


© Cláudia Crespo

Em 2016, disseste, à Mais Guimarães, “acho que nunca soube o que queria ser nem agora sei o que quero ser. Sei o que faço. Isso é diferente”. Sete anos depois, já sabes o que queres ser? Ou não é preciso saber?

Acho que continuo sem saber. Acho que ainda continuo à procura de respostas. E por isso é que continuo a trabalhar nesse sentido. Essa frase vem no seguimento de uma ideia em que nós somos aquilo que fazemos ou quando nos perguntam aquilo que nós somos, nós respondemos com aquilo que fazemos. E nem sempre somos aquilo que fazemos, embora eu ache que muito do meu trabalho reflete aquilo que eu sou e aquilo que eu penso, quais são os meus ideais e as minhas ideologias, e cada vez mais também o meu posicionamento enquanto cidadão perante as questões da sociedade e do mundo.


Depois de um percurso artístico que começou no teatro, em Guimarães, quando ainda frequentavas o ensino secundário, dois cursos, no Porto, na faculdade de Belas Artes e no Balleteatro, o curso de Teatro Universitário do Porto, o curso de Pesquisa e Criação Coreográfica do Fórum de Dança, o curso de Encenação de Teatro da Fundação Calouste Gulbenkian… Entretanto, houve mais algum curso?

Houve. É curioso porque em 2017, já estava a dar aulas há muito tempo e a criar há algum tempo também, e senti a necessidade de fazer novamente formação, porque achei que tinha que, de certa forma, ter novos estímulos, não ser só eu a propor e eu sempre a trazer as ideias para a mesa e apetecia-me entrar num estúdio e que alguém me dissesse aquilo que eu tinha para fazer, ou que também fosse estimulado de outra forma. Inicialmente, ainda no final de 2016, inscrevi-me na pós-graduação em dança contemporânea, na ESMAE, no Porto. Acontece que não me identifiquei com a própria pós-graduação. Senti que não seria por ali o caminho. Entretanto, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fui estudar para Viena, na Áustria, e estive como bolseiro num programa chamado Dance Web do Festival Impulso Dance. Foi um momento muito, muito forte de nova aprendizagem, nova partilha, de conhecer muita gente… Era uma turma feita com pessoas de todo o mundo. Só essa experiência de poder estar em contato direto com pessoas de todo o mundo foi extremamente forte. Para além de que os professores eram professores que eu escolhia, que queria fazer as aulas, e não os professores que eu tinha que ter porque faziam parte do plano curricular. A cada duas horas eu tinha a possibilidade de ter 15 aulas distintas e dessas 15 aulas era eu que fazia o meu plano curricular. Acho que isso é uma grande vantagem, nós escolhermos com aquilo que nos identificamos mais, aquilo que faz mais sentido. Às vezes é bom irmos para sítios que não conhecemos, também. Acima de tudo, acho que é muito interessante sermos nós a fazermos essa escolha e termos essa possibilidade de escolha. A maior parte das faculdades ou dos cursos não nos dá a possibilidade de escolha. Essa liberdade acho que é muito interessante e foi algo que eu trouxe mesmo para repensar o ensino da arte. Cada vez mais acho que devem ser os alunos a fazer as suas próprias escolhas.


Hoje acreditas, ou já na altura acreditavas, que as áreas onde estavas tinham mais em comum do que muitos imaginavam?

Só vem confirmar que estava certo e cada vez tenho mais certezas disso. Acho que cada vez mais o conhecimento não ocupa lugar. Acho que quanto mais sabemos, mais somos ricos, como pessoas, também. Acho que depois isso se reflete no próprio trabalho. É muito curioso, porque inicialmente os alunos não percebem porque é que têm que estudar português se querem ser atores ou se querem ser bailarinos. Depois percebem que quando vão fazer uma peça de teatro têm que perceber o texto que lá está e, portanto, as aulas de português foram muito úteis, assim como as aulas de matemática também são ótimas para depois fazermos orçamentos. Também tem esse lado da produção no trabalho que fazemos, não é só um lado artístico. Era muito bom que fosse só dessa forma [risos], mas, infelizmente, não é. Temos que depois saber gerir muita coisa. Para além das áreas artísticas em si, que são importantes depois na construção dos espectáculos – saber como é que a luz funciona, como é que o som funciona, ter essa sensibilidade, são tudo mais valias que só enriquecem o meu trabalho e a forma como eu estou a trabalhar.


Da altura do teatro de rua, tens alguma história que te tenha marcado e que possas contar?

Tenho muitas histórias, porque foi um período muito intenso, de grande trabalho, em que trabalhei em contextos muito distintos, a fazer coisas mesmo muito distintas. Fiz de Pai Natal, em cima de umas andas de um metro e isso tem uma história muito curiosa e até aflitiva. Estava a fazer animação, dentro do Triângulo. Tínhamos uma amiga nossa que, na altura, veio connosco, mas estava muito cansada e foi descansar para o carro. Resolvemos passar próximo do carro para ver se estava tudo bem e ela estava a ter um ataque epilético dentro do carro. Apercebemo-nos disso e começamos a chamar as pessoas, mas como as pessoas nos viram vestidos de Pai Natal e tivemos mesmo de tirar as barbas e as perucas, como quem diz: “está aqui algo a passar-se, é grave”. Mas houve outras muito divertidas, nas mais diversas situações com os mais diversos públicos também. Às vezes as crianças também eram muito inusitadas e faziam comentários muito divertidos àquilo que nós fazíamos. Foi assim um período muito intenso.


Sobre histórias engraçadas… Venceste um prémio e não percebeste porque estava a ser apresentado em alemão…

Não sei falar alemão [risos]. Depois percebi que era eu que tinha ganho, mas inicialmente não estava a perceber que tinha sido eu, porque estava a ser anunciado em alemão.


Voltando um bocadinho ao teu percurso, a dança surge porque és convidado para entrar como ator em dois espetáculos de dança, certo?

Certo sim, inicialmente num espetáculo de dança, e a partir daí abriu-se um universo de possibilidades na medida em que primeiro comecei a perceber como é que era construir um espetáculo de dança contemporânea e isso interessou-me muito. No teatro havia uma coisa que era a atribuição das personagens, logo no primeiro ou segundo ensaio. Ficava a saber que ia fazer aquele, decorava o texto e a coisa estava muito estabelecida. Independentemente do meu desempenho, podia ter mais aparições ou menos, mas ia estar sempre muito condicionado ao tamanho da minha personagem. Se bem que não se diz que há grandes e pequenas personagens, há grandes e pequenos atores.

Mas, independentemente disso, havia já essa condicionante. Na dança, percebi que isso não funcionava assim. Funcionava sempre a partir do material que tu propões ao coreógrafo, aquilo que tu vais mostrando e, a partir daí, ele vai compondo também. Portanto, havia muito mais possibilidades e dependia do trabalho que tu fazias e não do que alguém tinha decidido que tu ias fazer logo à partida. Claro que depois o coreógrafo vai decidindo o que é que fica, o que é que não fica, mas se tu propuseres bom material, à partida, fica com ele. Foi surpreendente perceber que as coisas iam-se construindo à medida que os ensaios se iam desenrolando e não estavam todas pré definidas quase à partida. Percebi que compor era muito parecido ao método que aprendi em Belas Artes para compor, não numa superfície bidimensional que era a folha ou a tela, mas depois num espaço tridimensional o que é que se passa num primeiro plano? O que é que se passa no fundo? A caixa do palco como um objeto tridimensional. Isso começou-me a interessar muito, esse tipo de relações. A certa altura percebi que poderia ser por aí o caminho e inscrevi-me no Fórum Dança para fazer o curso de Pesquisa e Criação Coreográfica.


Tornas-te coreógrafo – se é que se pode dizer assim, tornas-te -.

Sim, acho que me torno coreógrafo. Primeiro, acho que começo a ser respeitado pelos pares ou pela imprensa, que começa a chamar-me coreógrafo. Começo-me a ver nesse lugar e depois digo: “não, realmente eu estou a fazer coreografias, eu sou coreógrafo”. Mas isso também acontece porque existe sempre uma ideia pré concebida, porque para ser coreógrafo tem que se ser bailarino e tem que se ter tido uma formação em dança muito forte anteriormente. Acho que o meu caso, como outros muito recentes, provam exatamente o contrário. Não quer dizer que uma pessoa não tenha que ter formação em dança, que não seja importante, mas não é a única formação necessária. Pode ser complementada com muitas outras que enriquecem só o nosso trabalho coreográfico.


Ia perguntar precisamente isso. Para ser coreógrafo é ou não preciso saber dançar?

Não é preciso saber dançar, é preciso saber pôr os outros a dançar e saber como é que se dirige os outros para dançarem. Eu não preciso de fazer tudo aquilo que os bailarinos fazem, eu preciso de saber como é que os dirijo para eles chegarem lá. Até porque eu não sou professor de dança. Um coreógrafo não é um professor de dança. Isso são coisas distintas. Um professor de dança dá técnica de dança, um coreógrafo trabalha a partir daquilo, tem uma linguagem coreográfica própria, pode ter linguagens específicas que gosta ou dinâmicas do movimento, mas não é um professor de dança. Não tenho que ensinar a dançar, eu escolho as pessoas e a partir desse material vou construindo com elas, desafiando-as a ir por outros caminhos, coisas que não conhecem, explorando outras outras linguagens, às vezes, mesmo a apropriação do material, como é que se transforma. Mas, acima de tudo, não é preciso saber dançar nesse sentido de que tenho que ser eu a executar tudo aquilo que eles estão a fazer. Até que, se não, só teríamos coreógrafos até aos 35 anos, 40, porque, a partir daí, a maior parte já ninguém consegue fazer os macacos e as rodas e os mortais que os miúdos de 20 anos fazem.


Mas esse não foi o teu primeiro contacto com a dança. Tinhas estado no Grupo Folclórico da Casa do Povo de Creixomil. Hoje em dia acreditas que isso te fez traçar esse caminho e chegar aqui?

Não sei se isso me fez traçar o caminho. Eu acho que isso foi uma primeira abordagem que aconteceu. Provavelmente foi uma forma de eu já fazer dança que era uma coisa que eu gostava muito. Ir para o rancho folclórico foi algo que eu gostava mesmo muito de ali estar. Na verdade, eu fui para lá porque era para haver um grupo de teatro infantil. Isso degenerou no rancho folclórico e como eu já lá estava, acabei por ficar. Acima de tudo, gostava muito de aprender as coreografias, dançar, da música, do ritmo, dos passeios, dos convívios, das relações… Viajávamos muito. Quase todos os fins de semana se ia para um sítio diferente. Às vezes, na véspera, dormia-se no autocarro ou dormia-se na rua. Não era nada como é hoje em dia, mas acho que isso também criou relações… Mesmo esta relação interpessoal e mesmo o trabalho em grupo é muito importante para depois também saber gerir um grupo. Portanto, acho que isso tudo estava lá desde o início ou foi muito importante para mim, não no sentido do desenvolvimento técnico, ou mesmo da plasticidade do meu próprio corpo, porque isso não tive possibilidade de desenvolver, porque depois no rancho folclórico não se faz alongamentos, nem trabalho técnico, trabalha-se exatamente com os corpos das pessoas como estão e é uma questão de endurance para conseguir dançar o vira durante muito tempo [risos].

Foi importante, mas não foi isso que me fez ser coreógrafo. Aconteceram outras coisas pelo meio que me levaram aqui.


Era uma altura em que um rapaz dizer que queria ir para a dança…

Completamente. Com os preconceitos todos que estão atribuídos ainda hoje isso acontece. É muito curioso. Eu fiz uma audição há cerca de um mês em que apareceu muita gente e havia um jovem que veio, dançava muito bem e perguntei-lhe com que idade é que ele tinha começado a dançar. Começou a dançar muito novo. Aos seis anos de idade disse que queria ir para o Ballet. Depois de estar no Ballet, a avó levou-o para o Kung Fu para ele se defender do bullying que os outros miúdos faziam por andar no Ballet. Ele tem 20 anos, eu já tenho muitos mais. O estigma ainda se mantém, apesar de tudo. Há muitas mudanças, mas há muitas que ainda se mantêm. E essa ideia muito pré concebida do que é que é para rapaz e o que é que é para menina, que cada vez mais faz menos sentido, do meu ponto de vista, seja no vestuário, seja nas profissões, seja nos desportos. E uma grande vantagem é termos a seleção feminina de futebol no Mundial, também, que é uma grande luta para ganhar outro tipo de representatividade.


Como é que é celebrar ou o que é que significam estes 20 anos de carreira?

Na realidade, eu gosto muito pouco de celebrar o que quer que seja [risos], nem o meu aniversário celebro. Mas acho que é importante às vezes pontuar e aqui tem muito a ver também com uma estrutura que é a Nome Próprio. Pontuar os 20 anos é, sem dúvida, um momento muito forte e eu fui mais aliciado pela estrutura a que essa comemoração existisse, ou essa celebração, e não tanto por vontade própria. São 20 anos como criador – e acho que é importante dizer isto, porque às vezes as pessoas podem pensar que são 20 anos como artista e não. Comecei como artista aqui, n’”A Grande Serpente”, em 1994 -. Acho que, sem dúvida, foi um percurso feliz, muito feliz, e nada expectável. Eu nunca diria que iria ser coreógrafo há 20 anos se me perguntassem. Não era este o futuro que traçava para mim.


Já fazias espetáculos desde 2003, mas partilhavas a noite com alguém. Só em 2006 é que construíste um espetáculo para uma noite inteira. Como é que foi esse momento em que viste, pela primeira vez, uma noite inteira tua em palco?

[risos] Estava aqui noutros pensamentos. Confesso que a meio da pergunta eu pensei “eu disse que partilhava a noite com outras pessoas?”. Estamos a falar da noite dos espetáculos e não do horário pós noturno. Estava a ver que vocês tinham informações secretas sobre a minha vida íntima e privada. Não é que tenha sentido assim uma grande mudança, porque o sentido de responsabilidade é o mesmo. Não é que para mim tenha sido assim uma grande mudança. Porque tinha um princípio meio e fim, não era uma coisa complementar de outro. Tinha cerca de 30 minutos e depois entrava outro. Quando fiz um de uma noite inteira tinha 45. Não foi assim uma diferença tão grande…


Apesar desses 20 anos, disseste que só em 2011 é que sentiste que as pessoas entravam nos teus projetos e apostavam em ti sem saberem para o que é que iam, sem saberem o objetivo. Foi um caminho difícil?

É sempre. É sempre muito complicado. Vejo isso pelos jovens que agora começam ou tentam começar e com os quais eu me cruzo, porque cada vez mais dou formação em diferentes contextos e cruzo-me com os jovens artistas que estão também em início de carreira, a fazer as suas primeiras obras, a tentar segundas, terceiras… E é sempre muito complicado porque o mercado não é assim tão grande, não há um apoio tão grande às artes, há poucos espaços que acolhem projetos emergentes… É todo um processo muito difícil até se começar a ter aceitação, até se começar a ser reconhecido, até os teatros começarem a querer ter eles interesse naquilo que nós estamos a fazer e não sermos nós que estamos constantemente a dizer “tenho uma peça nova, tenho um projeto novo para desenvolver”. Isso é tudo um longo caminho que não é fácil, por isso é que grande parte diz “não vás para artista, porque é um caminho muito difícil”. Não é um caminho fácil, mas também é um caminho de grande realização pessoal.


Nestes 20 anos, teres conseguido convencer o teu pai a entrar nos teus espectáculos foi uma vitória?

Não foi muito difícil. Foi muito curioso porque, na altura, eu convidei o meu pai e depois percebi que a minha mãe tinha ficado com muitos ciúmes. Curiosamente, eles estão sempre presentes, ou quase sempre, porque são eles que executam a confeção dos figurinos da maior parte dos espectáculos. Acabam por estar sempre presentes também nos objetos artísticos.


“Corpo Clandestino” foi apresentado em Guimarães e está a percorrer Portugal… A arte em geral e a dança em particular pode funcionar como uma arma?

Sempre. “A cantiga é uma arma”, já dizia o José Mário Branco. Acho que, sem dúvida, a cantiga, a dança, tudo aquilo que colocamos em cena… eu costumo dizer mesmo: é um gesto político. Eu estou a tomar uma posição política a escolher as pessoas que escolho para estar em cena. E às vezes não preciso de estar com uma bandeira nem preciso de anunciar e é isso que eu gosto mais de fazer. Não gosto de dizer que vou fazer, gosto de fazer e já está. Está lá e agora quem quiser lê isso porque está lá muito claro e quem quiser não vê dessa forma. Mas eu ao colocar um corpo trans em cena também estou a dar visibilidade a uma realidade social que muitas vezes não tem lugar em cima de um palco.

Às vezes as pessoas ficam sem perceber muito bem sobre o que é que é um espetáculo ou querem que eu faça uma descrição muito detalhada daquilo que acontece em cena. O que é muito triste, porque acho que a dança não é para ser explicada. Às vezes pedem-me “descreva o espectáculo”. Se fosse passível de ser descrito, eu tinha escrito um livro e não tinha feito um espetáculo de dança contemporânea. “Corpo Clandestino” tem sete intérpretes e começo por eles, porque eles são mesmo a génese do que é o projeto. Sete intérpretes que à partida não assumem um padrão e a partir do momento que não há um padrão, não há uma norma. São sete corpos não normativos, podemos dizer assim. Desde pessoas com nanismo, pessoas muito altas, um corpo negro que, apesar de parecer que é normal, ainda não é normal estar em cena – temos um corpo trans, temos um corpo sem membros, temos um corpo que é mais volumoso do que aquilo que nós estamos acostumados. O grande conflito deste espetáculo é perceber como é que estas pessoas, que não representam a norma, conseguem dançar num espetáculo de dança contemporânea tão capazes quanto os outros todos. Isso é a grande questão deste espetáculo. Como é que podemos mudar o paradigma? Somos confrontados com imagens que achamos que não existem, porque, exatamente, estas pessoas estão escondidas e não fazem parte do nosso quotidiano. Se fizessem parte nós já estaríamos habituados a estas realidades e não ficaríamos tão surpresos ou tão chocados como algumas pessoas ficam quando são confrontadas e rejeitam quase.

É muito curioso, só um parênteses, – eu falo muito [risos] -. Fiz uma exposição de fotografias comemorativa dos 20 anos e fizemos umas performances. O Paulo Azevedo, na performance, a certa altura, dizia uma coisa que, para mim, foi muito marcante. Há sempre esta pergunta de qual é a dificuldade maior que ele encontra nas acessibilidades, ter escadas, não ter escadas… E ele diz que a maior dificuldade é tentar mudar a mentalidade das pessoas, porque os edifícios vamos mudando, agora a forma como as pessoas olham para ele, isso não consegue mudar. E é aí, é a forma como nós olhamos para o outro, porque aí reflete logo tudo. Ele consegue perceber se estão com este lado de “ai, coitadinho, que pena” ou se é uma pessoa normal e tratam-no como uma pessoa normal, porque é isso que a pessoa é, não tem é membros. Não estamos habituados a ver uma pessoa sem membros. Não, não estamos, devemos começar a vê-las mais, porque elas existem.


Para terminar, e porque estamos em Guimarães… Ao longo destes 20 anos, que mudanças é que vês a nível cultural na cidade?

Ui, tantas, mas tantas, tantas…


20 anos ou desde 1994…

Exato. Na relação com Guimarães começa um bocadinho antes [risos]. Há muitas mudanças. Este espaço [grande auditório do Vila Flor] não existia. Eu vinha aqui, a este lugar, apanhar flores para os ensaios que aconteciam ali ao lado [Palácio do Vila Flor]. Mas não são só os equipamentos culturais que mudaram. Acho que há muito trabalho feito também na comunidade. Ainda continua esta ideia de que há muito mais a fazer ou que se fez ainda muito pouco. Claro que se pode sempre fazer muito mais, podemos estar-nos sempre a queixar. É como na cultura, precisamos mesmo de ter mais dinheiro. Provavelmente era preciso ter mais grupos de teatro, ter uma ligação maior com o território… Mas eu acho que esse trabalho tem vindo a ser feito. Acho é que às vezes as pessoas também não chegam lá, não têm conhecimento e depois falam sem saber. Para mim é muito aborrecido, às vezes, perceber que as pessoas falam sem perceber o contexto, sem perceberem o trabalho que as estruturas fazem, o que é que está a ser feito no território e depois não se aproximam. Isso já era uma coisa que acontecia em Guimarães, esta mania que existe de falar dos outros quando estão a fazer e ninguém fazer nada. Isso deixo muito claro porque era uma coisa que já existia e eu acho que ainda continua a existir. Um exemplo muito claro foi a grande polémica porque o Centro Cultural Vila Flor não acolhia um espetáculo de uma pessoa mediática que aparece na televisão. Então era um “espaço elitista”. Eu fiquei bastante revoltado, confesso, porque nessa altura eu estive com um espetáculo aqui no auditório em que o preço do bilhete era de dois euros. Era um espetáculo que estava integrado nas práticas artísticas para a integração social e o auditório não esteve cheio. O preço do bilhete era de dois euros. Acho que mais acessível que dois euros não existe, mas o preço do bilhete desse espetáculo dessa pessoa não é dois euros, é bastante mais. Queria perceber onde é que está a acessibilidade. Se é pagar 15 euros para ver um espetáculo de uma pessoa que aparece na televisão ou se é pagar dois euros para ver um espetáculo de grande qualidade, que já circulou no país todo, que levanta questões muito pertinentes. Às vezes temos a mania de falar sem conhecermos o que é que está a acontecer. E o que é que é ser acessível? É pagar dois ou 15? Isso é o que eu pergunto. Desculpem, mas agora também me passei [risos].

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