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Foto do escritorJoana Miguel Meneses

A escola como lugar onde ninguém pode dizer “não vou ser nada na vida”

“Num ninho, havia três ovos. De lá de dentro saiu um pássado, um pássaro pequeno com uma só asa. Piou. Logo chegou um outro pássaro, um pássaro mais velho, também com uma asa só.”


No Japão, contam histórias às crianças para as preparar para o mundo. Esta é uma delas. A história de pássaros que, tendo uma só asa, não conseguem voar. Mais tarde, percebem: juntos podem voar. E é com esta história que “Má Educação – Peça em 3 Rounds” se apresenta ao público.


© Cláudia Crespo

A companhia de teatro de Miguel Fragata e Inês Barahona, Formiga Atómica, faz dez anos este ano e o primeiro espetáculo que apresentaram, “A Caminhada dos Elefantes”, foi um espetáculo “importante porque marcou não só o início da companhia, mas também o início de uma forma de trabalhar que passa muito pela pesquisa, por processos de investigação”.


O facto de terem criado esse primeiro espetáculo para um público jovem, fez com que se deparassem, constantemente, com a relação com o público escolar. Dizem que estão, por isso, a observar as dinâmicas escolares “desde sempre”. “Aconteceu naturalmente e desde essa altura que há uma série de questões que nos foram inquietando. Há questões que vão surgindo que tem a ver com o papel da escola, com o papel dos professores… Foi essa a semente que nos fez querer fazer um espetáculo sobre a educação”, explicaram.


Em “Má Educação – Peça em 3 Rounds”, o palco transforma-se num ringue de boxe para falar de educação. É isso mesmo. Tal como no boxe, há vários rounds. Inês diz que “a coisa mais curiosa” que aconteceu durante o processo de criação deste espetáculo foi que, sempre que falavam sobre a escola, “fosse com quem fosse, ninguém estava satisfeito”. E a metáfora do boxe nasceu desde logo como ideia cénica, “partindo dessa ideia de combate e conflito verdadeiro”, como explica Miguel que diz ainda que havia essa vontade de “rasgar com esta ideia de passado e de escola convencional”.


Inês Barahona, que escreveu o texto do espetáculo, explica que começaram a ser um “repositório de queixas”. Mas, para isso, já há muitos fóruns. Quiseram, então, seguir outro caminho e noutro desafio: lançar-se “na imaginação e na criação de uma escola que poderia ser a escola dos nossos sonhos”. Para isto, ouviram “desde as crianças até aos adultos – diretores e professores, mas também outras pessoas que às vezes ficam invisíveis nestes processos de auscultuação, como os auxiliares, as pessoas que estão na portaria, os motoristas de autocarros escolares, os cozinheiros -“. Havia algo comum a todos: as relações que se criavam.


Naturalmente, essa que poderia ser a escola dos nossos sonhos “é uma escola que vai beber à escola que existe e à escola que cada um de nós conheceu. Por mais transversal ou convencial que tenha sido, existem sempre pontos de relação. Quando tentamos imaginar o futuro temos sempre de olhar para o passado”, explicou o encenador Miguel Fragata.


Quase na ideia de que o aluno é uma marioneta, o professor “domina e esmaga o aluno” no primeiro round da peça. Para Miguel, que fala desta escola já com 200 anos, isto é “absolutamente castrador”. Num intervalo cheio de energia, revisitamos memórias, memórias que “capital importante para se poder pensar o futuro e aquilo que se deseja para lá da escola que se conhece”, acredita o encenador.


“Professor e aluno não são cópias”, ouve-se entre as falas de Ana de Oliveira e Silva e Carla Galvão. Mas, se não são cópias, como é que se define um aluno brilhante? Será um aluno brilhante a cópia do seu professor? “Talvez alguns alunos não precisem de ser guiados e talvez consigam encontrar sozinhos a sua luz”.


Mais perto de uma ideia de utopia, no terceiro round, a relação entre professor e aluno “é de verdadeira complementaridade”. Tal como explica Inês, “o voo não se faz sozinho. Voam os dois, em conjunto”. Era aqui que queriam chegar. “Essa simbiose é aquilo que é muitas vezes relatado por alunos e pessoas que tiveram experiências de contacto com professores muito gratas – são aquelas que ficam na memória -“, justificou.


Desafiando a dança a dialogar com o teatro, lançaram o convite a Victor Hugo Pontes. Mas não só desses aspetos visuais se faz “Má Educação – Peça em 3 Rounds”. “A música também é um combate”, conta Miguel que lembra que o desafio foi lançado, mais uma vez, a Hélder Gonçalves. Encontraram, assim, na música, “esse lugar que está entre a dança e o teatro e tanto pode dialogar com a palavra como com o movimento, como com toda a imagem que se cria do espetáculo”. Como todas as criações são momentos de partilha muito grandes. Este espetáculo é muito o fruto desses encontros e partilhas.”


Com a certeza de que “devíamos todos lutar para que a escola fosse um lugar onde ninguém pudesse dizer “não vou ser nada na vida””, Formiga Atómica percorre o país para promover esta reflexão.


Miguel Fragata, a terminar, garantiu que encontraram escolas que se enquadrariam no primeiro round, outras absolutamente no segundo e outras ainda que estão a lutar por se enquadrarem naquilo que pode ser um terceiro round. “E isso é muito esperançoso enquanto possibilidade de futuro”, frisou.


“Como diante de um espelho, os dois pássaros olham um para o outro. Reparam que um tem a asa do lado direito, o outro do lado esquerdo. Então, compreendem. Juntam os espaços vazios dos seus corpos e formam um corpo único. Um pássaro só, com duas asas. Tomam balanço e lançam-se a voar”.


Assim termina a história que abriu o espetáculo. E assim deviam terminar todas as memórias que temos dos nossos tempos da escola: com a certeza de que há espaço para todos e que as coisas funcionam muito melhor quando é feito um trabalho conjunto.


E a verdade é que não há uma só maneira de se fazer um avião de papel. E todas são válidas. Mas há a certeza de que, se o fizermos em conjunto, o avião poderá chegar mais longe.

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