O encenador Moncho Rodriguez, falecido no passado dia 28 de janeiro, foi considerado um dos mais importantes encenadores entre portugueses, brasileiros e espanhóis. Teve, em Guimarães e no norte de Portugal, um impacto social e artístico, estético, dramatúrgico e pessoal únicos. Por esse motivo, a Associação Artística Vimaranense e um conjunto de amigos e admiradores da obra de Moncho Rodriguez organizaram, no passado sábado, 25 de fevereiro, uma celebração da sua vida e obra.
O espaço foi pequeno e o tempo curto. Mas a memória, essa, assim como coração, tornou-se gigante. Guimarães, Fafe e a Póvoa de Lanhoso estiveram de mãos dadas naquela que foi uma noite de afetos e partilha. Uma noite, como muitos lembram Moncho, cheia de abraços. O passado e o presente viveram no mesmo local.
Francisco Leite Silva foi, por duas vezes, o Arão de “A Grande Serpente”. Conheceu Moncho Rodríguez há 28 anos. “Na verdade, foi há mais tempo”, recordou naquela que foi, mais do que uma homenagem, a celebração da vida e da obra do galego. Entre a felicidade e o nervosismo de há quase três décadas, tudo fez “para estar com ele quando soube que vinha trabalhar para Guimarães”.
A felicidade e o nervosismo repetiram-se em 2022. Ao longo do tempo, continuou a trabalhar com o encenador, a apresentar e a criar espetáculos, não só na cidade berço. No ano passado, aquando da reencenação d’”A Grande Serpente”, foi convidado para ser assistente de direção. A determinada altura, o convite muda e Moncho diz a Francisco Leite Silva: “vai fazer o Arão novamente”. A felicidade e o nervosismo repetiram-se, assim, em 2022. Acumulou essas duas funções… “e ainda bem”, desabafou.
“As portas estavam abertas a quem quisesse participar”
Entretanto, a ASMAV foi palco d’”Os Gigantes da Montanha”, uma recriação de Moncho Rodríguez da obra de Luigi Pirandello. Uma nova oportunidade para os artistas – e também para aqueles que não sabiam que o eram -. “Uma obra sobre o fim da arte, sobre o desespero ou a desperança da relação da política com a arte”, como carateriza Francisco Teixeira, presidente da ASMAV.
Mas o ator Francisco Leite Silva vai mais longe. “O Moncho sabia”, diz lembrando que a peça “tem uma série de símbolos e códigos com um caráter premonitório do desfecho que ia acontecer”.
“Estou eternamente grato ao Moncho”, terminou fazendo referência ao facto de, nos seus espetáculos, não serem feitos castings. “O Moncho recebia. As portas estavam abertas a quem quisesse participar. Não negava a entrada a ninguém. O Moncho era um génio, um sonhador, um provocador”, destacou.
E essa era uma caraterística do espanhol que muitos fazem questão de realçar. Pompeu Martins, vereador da Câmara de Fafe, quando Moncho cá chegou refere precisamente que “Moncho mandava entrar e pegava no talento que cada um tem e trazia a cidadania para cima do palco. Ao mesmo tempo que trazia a cidadania, trazia a comunidade toda, trazia a cultura de cada um e de cada uma para cima do palco”.
“Chegava às terras, que não eram dele, mas trabalhava-as de uma forma poética, envolvendo as pessoas”, referiu também Fátima Moreira, vereadora da Póvoa de Lanhoso, que diz que Moncho “chegou lá, e, como costumava dizer, cutucou-nos”. Na Póvoa de Lanhoso mobilizou toda uma comunidade à volta de um projeto e a vereadora acredita que, “ainda hoje, quando se fala em cultura na Póvoa de Lanhoso, as pessoas sabem que há um marco que fez a diferença na cultura”, porque “mexia com as pessoas de uma forma especial”.“O Moncho deixou-nos fisicamente mas quem trabalhou com ele fica com a marca indelével”. Quem o diz é Francisco Teixeira. No passado sábado, disse, viveu-se “uma celebração da genialidade, da grandeza, da beleza dramaturgica e cénica do Moncho”.
O presidente da ASMAV recordou ao Mais Guimarães o que se escreveu, em 1994, quando Moncho Rodríguez veio para a cidade berço de maneira fixa e teve cá mais de oito anos. “Não há a menor dúvida de que o projeto que deu origem ao Teatro Oficina e à Oficina como ela é hoje – que é talvez o principal agente cultural do município – foi, em grande parte, construída na altura”.
Acredita que o encenador “merecia uma permanência na memória da cidade” e referiu a Casa da Memória como um dos locais onde isso se poderia tornar realidade. “Já havia teatro em Guimarães, mas houve um impulso estético que transformou a relação dos jovens com o teatro e de muitas instituições com o teatro e com a cidade”.
E Paulo Lopes Silva, vereador do município de Guimarães, partilha da mesma opinião. “Olhando para o histórico [do teatro em Guimarães], há coisas fáceis de perceber. Quem estava no teatro amador na altura conseguiu perceber que houve ali um momento de transformação, de revolução, de reaparecimento de companhias de teatro ou aparecimento de outras”.
No teatro amador na altura, o vereador acredita que “há toda uma geração que se entusiasmou com a ideia de fazer teatro” por causa das águas que Moncho agitou. “Deixava sementes que se replicaram não apenas no projeto em que ele estava. O processo de transformação não se deu apenas para o Teatro Oficina nem apenas no teatro. Essas sementes fizeram com que aumentasse a necessidade de criar condições para que se pudesse criar a partir de Guimarães”.
“Tinha uma força extraodinária. Não era deste mundo”
Há pouco menos de 30 anos, Paula Nogueira, atual vereadora da Câmara de Fafe, era jornalista e teve “a felicidade” de entrevistar o Moncho várias vezes. Estava deslumbrada, contou, pela oportunidade de conhecer gigantes como Santos Simões, o professor Emídio Guerreiro, e Moncho Rodríguez. Este último fez questão de dizer, na primeira vez que Paula Nogueira colocou um microfone em cima da mesa “menina, não me confuda o nome, é Moncho, não é o Mocho”. Sorriu enquanto recordava esse momento e que Guimarães, há 30 anos, “não era a cidade que conhecemos hoje”.
A cidade “ainda estava a encontrar o seu caminho de afirmação, sobretudo para a cultura. Sentia-se que havia qualquer coisa e que as pessoas queriam seguir em frente”. Apareceu Moncho Rodríguez, “um talento, um demónio, um vulcão, um turbilhão de arte à solta”, alguém que “tinha uma força extraodinária. Não era deste mundo”.
Alguns anos mais tarde, Paulo Lopes Silva teve a oportunidade de o conhecer. As opiniões, essas, são muito parecidas. “Não era preciso muito tempo a ouvi-lo para ficar cativado por tudo aquilo que nos era transmitido, não apenas pela linguagem, mas tudo o resto que às vezes é difícil explicar a energia”.
Qualquer pessoa que se cruzava com aquele, inevitavelmente, criava uma relação. Desde a primeira reunião que teve com o encenador, Pompeu Martins percebeu que havia uma coisa que, automaticamente, os ligava: “a militância de uma coisa que fez até ao útlimo suspiro” e acreditar que “a arte não pode ser algo de extraordinário nas nossas vidas, a arte tem que fazer parte da vida. Quando a arte for como o futebol, que é normal ir ao domingo à tarde, certamente o mundo estará muito melhor”.
A verdade, disse a vereadora de Fafe, é que o encenador “podia acomodar-se numa grande cidade, a fazer cultura para as grandes elites, mas foi à aventura”. Mas Moncho tinha a sua marca, e havia uma coisa que fazia muito bem, “era ter a abertura e a universalidade de pensamento de que cada uma das tradições das nossas terras tinha lugar no palco”, referiu Pompeu.
“E agora, Moncho, como é que a gente vai continuar isto?“
Pompeu recordava, como Francisco Leite Silva também disse, que, de vez em quando, Moncho resmungava. “Mas depois abraçava as pessoas logo a seguir”, continuou lembrando aquilo que pensou quando soube da sua partida: “e agora, Moncho, como é que a gente vai continuar isto?”.
“Como é que eu e ele vamos fazer o caminho juntos, já tenho a resposta. A pergunta que pode ficar aqui no ar é como é que vamos fazer o caminho juntos com o Moncho e com este grande legado dele”, lançou o antigo vereador fafense. “Ele deu-nos tanto e temos ainda tanto caminho para continuar, com a mão dele, com o abraço, o sorriso, com a força e a inquietude que o Moncho nos transmitiu”, terminou.
Fátima Moreira aproveitou ainda o momento para lançar um desafio: “o que quero e desejo, neste presente, a melhor homenagem é continuar a fazer coisas como estas. Quero ter “Os Gigantes da Montanha” na Póvoa de Lanhoso”.
Um desafio que, do lado de Fafe, também chega: “o fim terá que acontecer, inevitavelmente. Mas que possamos, tão breve quanto possível, ver mais coisas do Moncho nas nossas salas, nas escolas, nas associações, nos grupos de amigos…”, pediu Paula Nogueira.
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