“Ainda estou a digerir”. Foi com várias pessoas do público a dizer esta frase que saímos do teatro Jordão após a apresentação de “Beautiful People”, de Rui Horta com a companhia Dançando com a Diferença.
A revolta, o querer ser ouvido e ter voz. A violência e a não aceitação.
Assim que nos sentamos nas cadeiras do teatro Jordão fomos confrontados com um bailarino cego. “Todos olhamos o mesmo objeto mas vemos coisas diferentes”, diz-nos lembrando o momento em que ficou cego: “o mundo não tinha mudado, eu é que não via da mesma maneira”. As saudades ficaram “daquela hora mágica ao entardecer” e das estrelas “que em criança costumava contar”.
As estrelas vão desaparecendo. Como vão desaparecendo, muitas vezes, os sonhos daqueles que são diferentes. E, logo depois, uma bailarina numa cadeira de rodas, sem pernas: “eu quero ser uma bailarina famosa e reconhecida internacionalmente”. Alguém que é sistematicamente, ao longo de “Beautiful People”, atirada para o chão.
Até que ponto estamos preparados para aceitar os desejos dos outros corpos? Talvez não estejamos. E talvez esta peça, que se estreou em 2008, seja o murro no estômago que precisávamos. Porque talvez aceitemos a diferença. Mas conseguimos, efetivamente, viver com ela ao nosso lado?
Tendemos a camuflar a diferença com luzinhas e torna-se urgente dar uso ao megafone para que as vozes sejam ouvidas.
A terminar, uma canção que nos é familiar. Mas ali, naquele cenário, vindo da companhia Dançando com a Diferença, ganha outra vida. “Sweet Dreams” retrata “Beautiful People” como ninguém o fará e explica a peça como nada. “Alguns deles querem abusar de ti”, ouve-se, em inglês.
E a luz desliga.
Deixemos as diferenças e os preconceitos de lado. Somos capazes. Mas a Mariana também o é. A Maria também. O Zé também. A Sofia também. A Bárbara também.
Os sonhos são para serem vividos.
O pôr do sol é para ser aproveitado.
E as estrelas, que nos vão sempre dizer que está de noite, são para serem contadas.
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