Ele até podia tentar evitar a cidade de Guimarães em cada tour que realiza, mas não tinha a mesma piada. Guilherme Duarte tem-se consolidado como um dos humoristas da nova geração e foi através das redes sociais – e também do seu blogue – que conquistou salas esgotadas por todo o país. “Doutor G” e “Gandim” são alguns dos nomes que não passam despercebidos aos portugueses que também já o viram e ouviram na Antena 3, SIC Radical e TVI. No seu atual espetáculo, apresentado em Guimarães, no São Mamede CAE, descemos todos ao inferno com o ex-engenheiro informático.
Já te consideras humorista ou ainda não?
É difícil, não é? O público quase que mete esse rótulo. Nós começamos a dizer umas coisas e depois a malta começa a chamar humorista e há uma altura em que nós aceitamos. Mas já vivo disto, já me considero.
Há quanto tempo é que começaste realmente a viver disto e a sentir que estava a dar?
Foi quando eu me despedi e comecei a fazer isto a full time. Foi há seis ou sete anos, acho eu, já nem sei bem. Fazia isto muito como hobby, escrevia principalmente no blogue, fazia alguns sketches. Depois comecei a fazer stand up e houve uma altura que eu percebi que me dava mais prazer fazer isto do que o meu trabalho de pessoa séria. Despedi-me para tentar viver disto e tem corrido bem.
E se não estivesses a encher salas por todo o país, estavas a fazer o quê? Continuavas na engenharia ou entrarias pela escrita?
Não, estava na engenharia, continuava como informático. Continuava a ter um trabalho que orgulhava os meus pais [risos].
E em termos de rotina, como é a rotina de um humorista? Obrigas-te a ter uma rotina?
Depende um bocadinho das alturas. Se eu estiver com um projeto que tem um prazo de entrega ou que eu quero publicar algo, tenho que ter rotina e ter uma checklist com o que tenho para fazer no dia. Encarar mesmo como um trabalho. Acaba por não ser um horário muito fixo, acabo por trabalhar mais horas do que fazia, porque não tenho que picar o ponto e ir para casa. Depois há alturas em que não tenho nenhum projeto, ainda estou a tentar criar ideias e ver o que é que vou fazer, e aí os dias podem ser um bocadinho mais caóticos. Às vezes dou por mim a pensar que ontem não fiz nada e que amanhã tenho de fazer alguma coisa de jeito para me sentir produtivo.
Como é que descobriste que gostas de escrever humor? Já eras o palhacinho da turma? [risos]
Não, pelo contrário. Sempre fui muito tímido. Quando me mandavam ler ou ir ao quadro, ficava todo corado e era horrível. Dentro do grupo mais próximo de amigos não era o que falava mais ou que era mais extrovertido, mas era aquele que mandava umas bojardas de vez quando.
Foi um bocadinho por acaso. Criei o blogue e a página do Facebook só mesmo para escrever umas coisas. Nem sabia que ia ser de humor, era só para escrever opiniões e umas larachas. Comecei a tomar-lhe o gosto, sempre gostei muito de ver comédia, mas nunca me vi a fazer comédia ou tive isso como sonho. Isso começou a entrar no meu dia a dia, na minha rotina, e depois começou a escalar para as várias vertentes do humor. Comecei a perceber que até gosto de fazer isto.
E quando escreves uma piada, és o primeiro a rir-te dela?
É difícil rir-me das piadas quando as escrevo. Quando isso acontece, que é muito raro, normalmente acabam por funcionar bem. Mesmo até sketches, às vezes tenho uma ideia, ponho-me a escrever e rio-me, e, quando isso acontece, mesmo que vá ler depois e já não ria, eu penso que se me ri da primeira vez é porque está ali qualquer coisa. Normalmente é um processo muito sério. Um humorista a escrever num computador é a coisa mais entediante do mundo.
Se não te rires, quem é que te valida as piadas?
Acaba por ninguém validar. Tenho aquele feeling de que isto é engraçado, mas não me faz rir a mim porque não tem o elemento surpresa que às vezes é preciso no humor. Quando o público está a ouvir tem a surpresa e isso faz com que se ria. Como o processo já está a ser criado na minha cabeça, já sei mais ou menos para onde que é que está a ir e é difícil rir-me. Acaba por ser a sensibilidade de que acho que vai funcionar, mas às vezes está totalmente errado. Às vezes experimento ao vivo, ninguém se ri, e até pensava que era uma boa piada. Há outras que não sabemos se serão muito boas, as pessoas riem-se e nós percebemos que está ali algo que pode evoluir.
Ao longo da tour, vais mudando o espetáculo?
Vai sempre evoluindo um bocadinho, mas como quando começa o espetáculo da tour a maioria do texto já foi testado antes em barzinhos e em coisas mais pequenas… aí há muito esse processo de deitar fora e voltar a reescrever. Quando começa a tour, o último espetáculo já não é igual ao primeiro. Há sempre coisas que vão saindo e outras que vão sendo acrescentadas.
Seres humorista é viver com a certeza de que podes ser processado a qualquer momento?
Pelos vistos sim, não é? Aconteceu-me recentemente. Foi o meu primeiro, não sei se será o último. Provavelmente não, mas não é um objetivo. Sabemos que faz parte, mas é sempre uma chatice. Queremos estar a divertir as pessoas e não estar a perder tempo em tribunais e com advogados, ou a gastar dinheiro ou lidar com palermas que dizem que defendem a liberdade de expressão, mas afinal não. Acho que faz parte quando se toca em temas mais sensíveis ou em nichos ou lobbies que têm algum poder e que não têm muito sentido de humor. Faz parte do sistema democrático e, portanto, está tudo bem.
Numa entrevista disseste que o Twitter é o teu bloco de notas. Filtras muita coisa que lá escreves ou colocas lá tudo o que te lembras?
Não, é mesmo sem qualquer filtro. As pessoas às vezes reclamam que não tem piada nenhuma. Eu respondo que se fosse boa não estava aqui de borla, estava no espetáculo. Acaba com cinco ou seis comentários e piadas sobre aquele tema que eu sei que são muitas más. O objetivo é mesmo esse. É despejar ali na esperança que no meio daquilo surja uma que seja boa. É quase um brainstorming comigo. É só para coisas que me vêm à cabeça.
E, nesse sentido, as redes sociais são uma ferramenta que ajuda ou não o trabalho de um humorista?
Sim, principalmente em termos de promoção. Antigamente era muito difícil ter um espetáculo sem ter uma máquina promocional nos media tradicionais. Hoje em dia, nós, da nova geração, vende- mos os bilhetes todos nas redes sociais. Colocamos um story ou um post e a malta acaba por seguir e comprar. Portanto, por aí, é muito importante, mas também para fazer conteúdo.
A maioria do conteúdo que eu faço é para o YouTube ou para o Instagram. É uma boa ferramenta que tem vários meios, quer seja fotos ou textos curtos, como no Twitter, ou mesmo vídeos que dá para experimentar e a malta escolhe seguir ou não seguir. É mais democrático, não é como se só conseguisses ter público se estiveres na televisão ou na rádio.
Há um “demasiado cedo” para a piada ser dita? As pessoas ainda pensam muito isso?
Eu acho que não. Havia um humorista que dizia que para um humorista não há too soon, só há too late. Se a piada é sobre um tema controverso, a verdade é que vai ter mais piada, ou é mais desafiante para o humorista, fazê-la no calor do momento. Se passam 10 anos já não tem o efeito novidade. Já foram feitas mil piadas sobre aquilo e é difícil inovar. Portanto, eu acho que quando há essa carga pesada de um acontecimento trágico, é giro transformar essa carga pesada em riso. Quando essa carga já passou, já não tem o mesmo desafio e a mesmo importância.
Apresentas, em Guimarães, o espetáculo “Limbo”. Este limbo é entre o quê e o quê?
Na verdade, foi só um nome giro que eu achei que ficava bem. Não há assim grande conceito. Criar o nome e depois a estrutura dos espetáculos é sempre um bocadinho esse texto testado antes, beats de stand up e depois tentar estruturar tudo para fazer sentido no espetáculo e ter todos os ritmos que queremos ter. Como todo este espetáculo calhou de ir mais para o lado do humor negro, que não foi propositado, foi mesmo onde eu estava, achei giro fazer isto com descidas ao inferno. Daí começar no limbo. Mas é mesmo só isto, não tem todo um conceito intelectual e muito filosófico por trás.
Falas muito dos teus medos, do medo da morte, de andar de avião. O humor também serve um bocadinho como forma de combater os teus medos?
Sim, eu acho que sim. Para mim é giro pegar numa insegurança minha ou num medo e conseguir fazer piadas sobre isso. Não sei se resolve. Continuo com medo da morte e com medo de andar de avião, mas aligeira um bocadinho a coisa. Melhor ainda se no processo outras pessoas que também se identificam puderem também rir desses medos que têm.
O humor não precisa sempre de ser só sobre esses temas, pode ser só coisas perfeitamente banais, mas se tiver esse condão de, durante um bocadinho, te fazer esquecer daqueles teus medos já é fixe, é um bónus.
Estás pela segunda vez em Guimarães com “Limbo”. Já cá tinhas estado em novembro. Como é que é o público vimaranense?
É sempre muito bom público, por acaso. Também diria sempre que é, não iria dizer mal [risos]. A verdade é que é um público muito caloroso. Esta é das poucas salas em que eu vim sempre nas tours todas. Sou sempre muito bem recebido. No segundo espetáculo houve duas pessoas a saírem a meio, um pouco chateadas, mas é sempre malta muito simpática.
Falando um bocadinho do teu futuro e do teu passado, o Doutor G começou no teu blogue, foi para um livro e retomaste-o em vídeo. É uma das tuas personagens que mais te orgulhas e que vai continuar?
Não sei se vai continuar. Acho que pode já ter tido a sua reforma. Está a cumprir um tempo sabático indeterminado, mas não sei se volta. Gostei de fazer, mas é um formato que se esgota um bocadinho. As perguntas são muito sobre sexo e sobre relações e, se faço aquilo muitas vezes, as perguntas vão cair sempre nas mesmas coisas. Às vezes se o convidado for interessante, no formato vídeo, dá para inovar um bocadinho, mas fizemos aquelas duas temporadas e depois mais três espetáculos ao vivo e decidimos fechar por agora. Não quer dizer que não volte no futuro, mas, para já, está arrumadinho, que é bom também sair em altas, em vez de ser quando já ninguém liga àquilo.
E Gandim é para continuar?
Gandim é para continuar. Deu-me muito prazer. Foi um formato totalmente diferente, foi desafiante e aprendi muito. Vai voltar em breve e depois não sei se voltará outra vez. Pode ser a última aparição, mas, pelo menos mais uma vez, vai voltar.
“Gosto que pessoas que não concordam com a minha opinião se consigam rir das minhas piadas”. Disseste-o numa entrevista. Pode dizer-se que é este um dos objetivos dos teus espetáculos?
O objetivo é fazer rir toda a gente que vá ver, mas isso é interessante quando toco num tema mais controverso. Provavelmente isso era sobre touradas. Lembro-me de uma vez que um rapaz foi falar comigo e disse: “Eu adoro touradas, vou a touradas e eu estou a ler o teu texto em que só estás a dizer mal da malta que gosta de touradas, e eu estou a rir-me e a pensar “que filho da mãe””. Isso mostra inteligência das pessoas e fair play. É fácil fazer rir quando se passa uma opinião com que as pessoas concordam. É mais fácil fazer rir ou, pelo menos, fazer com que elas gostem do texto. O contrário é que é mais difícil. Se não se rirem porque ficaram chateados também é giro, também tem a sua piada [risos].
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