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Foto do escritorJoana Miguel Meneses

O movimento do corpo que é o LAR

A relação com o corpo, o conhecimento dos seus limites e a possibilidade de se aperceberem que os limites estão para lá do imaginável. Foram estas algumas das grandes bases de “Lar”, projeto realizado pela bailarina e criadora Sara Xavier em parceria com os utentes da Venerável Ordem Terceira de São Domingos.


© Bruno Carreira/CISMA

O projeto apareceu na sequência do seu último projeto, "Habita(r)te", desenvolvido no verão de 2021 com habitantes de Guimarães com idades a partir dos 16 anos. “Houve uma grande vontade em continuar a trabalhar a linguagem de movimento Gaga mas com o objetivo de chegar a outro público”, explicou à Mais Guimarães.


Durante o seu período de formação, em Israel, em 2019, Sara teve a oportunidade de contactar com os participantes das aulas regulares de Gaga – abertas a toda a comunidade -. Numa delas, deparou-se com uma situação inesperada. Uma das participantes, ao acabar a aula e pegar nas suas coisas, tinha consigo uma bengala. Algo que despertou a atenção da vimaranense. Estes motivos fizeram Sara e Mariana Silva, que esteve por trás da produção do projeto, “acreditar que estas sessões têm, ou podem ter, impacto na vida das pessoas e que seria um bom projeto piloto para desenvolver”.


Além disso, Ohad Naharin, criador desta linguagem, já tinha desenvolvido este trabalho no lar da mãe, em Israel, e tinha apresentado bons resultados a nível da mobilidade e da capacidade neurológica dos participantes.


Durante um mês, Sara Xavier foi à Venerável Ordem Terceira de São Domingos três vezes por semana trabalhar com os utentes neste que é um projeto piloto em Portugal. Confessa que, no início não sentiu recetividade por parte dos participantes.“A primeira sessão foi feita na sala comum com todos os utentes do lar, entre 40 a 50 pessoas. Desses, só 14 é que aderiram ao projeto”, lembra. Mas, “mesmo daqueles que aderiram não foi imediata a recetividade”. Foi o caso, por exemplo, do senhor Freitas, que se juntou ao grupo na segunda semana de trabalho. Disse, durante a primeira sessão dele: “isto não presta para nada”. Ainda assim, apareceu às restantes sessões. Na última, teve uma consulta e “ficou muito triste por não conseguir ir à sessão”, contam Sara e Mariana à Mais Guimarães.


A recetividade, acreditam, “veio com o tempo, com a consciência de que havia alguma coisa no seu corpo que estava a mudar e com a perceção de que não havia certo ou errado”. Foi quando um clique se deu e se aperceberam de uma grande diferença na participação dos utentes.


Na primeira sessão estavam ainda a descobrir o que eram as sessões e o que estavam a fazer. Na última, perguntavam o que podiam fazer para que as sessões com a Sara continuassem. Afinal, o balanço é de que o projeto “foi maravilhoso” e “uma grande oportunidade para perceber completamente aquilo que o movimento Gaga pode ser”.


Este é um movimento baseado em sensações e na disponibilidade do corpo de cada um. Em contraponto com aquilo a que estamos habituados, Gaga não procura a coreografia nem a uniformização de todos os corpos, mas antes a possibilidade de o movimento chegar antes do pensamento. Permite, assim, “que os limites possam ser ultrapassados a cada momento dentro do alcance do corpo de cada um”. Por todos estes motivos, explica Sara Xavier, “é um movimento que se enquadra em qualquer tipo de corpo e que desperta os estímulos necessários à mobilidade que, muitas vezes, só não existe porque estes estímulos também não estão lá”.


Uma das indicações que mais se usa é “movermo-nos como se tivéssemos todo o tempo do mundo” e, na verdade, os utentes da Venerável Ordem Terceira de São Domingos têm-no. Apesar de não terem ninguém na equipa a trabalhar os benefícios que estas sessões podem trazer para o dia a dia, adiantam que o retorno que tiveram dos participantes e da equipa do lar “foi muito positivo” – “desde a melhoria no movimento de cada um à diminuição da dor durante as sessões de fisioterapia”. Recordam o momento em que um utente lhes disse: “isto é muito bom para o corpo mas ainda melhor para a cabeça”.


A apresentação do projeto foi feita em dois momentos, tendo estado a divulgação e a imagem ao cargo do estúdio independente Cisma. O primeiro, o objeto artístico – um video-dança de Bruno Carreira – e, o segundo, um vídeo com a recolha das opiniões dos participantes. Sentiram, dizem, uma “grande incredulidade por parte das pessoas que viram a possibilidade de movimento dos participantes”. À Sara fizeram, aliás, muitas vezes, a pergunta “o que é que fizeste para eles se mexerem assim?”.Depois de apresentado o vídeo na própria Venerável Ordem Terceira de S. Domingos, destacam a “felicidade dos utentes por estarem a ser reconhecidos e por lhes ser dada a oportunidade de fruição e criação cultural. E a vontade de continuar”.


Apesar de o objeto artístico final ser um vídeo-dança, lembram que “não é visível a evolução do movimento dos participantes desde a primeira até à última sessão”. Porém, para Sara Xavier, que esteve lá em todos os momentos, a sensação é que “o movimento mudou completamente”.


Sara Xavier nasceu em Guimarães, em 1995. Com quatro anos iniciou o seu percurso na dança com aulas de ballet e, aos 12, começou a frequentar aulas de contemporâneo. Em 2013, ingressou na Escola Superior de Dança, em Lisboa. Durante a licenciatura, teve a oportunidade de trabalhar com Barbara Griggi, Rui Lopes Graça, Siri Dybwik, entre outros, e participou no Programa Erasmus, estudando no Konzervator Duncan Centre, em Praga.


Em agosto de 2019 foi aceite no Curso Intensivo da Batsheva Dance Company, onde aprendeu e desenvolveu a linguagem de movimento Gaga. Atualmente, leciona ballet e dança contemporâneaem várias escolas nos concelhos de Guimarães e Chaves.



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