Juntaram-se, numa altura em que o consumo de música era bem diferente, com um gosto em comum: a música. Com outras formações foram crescendo e passando por diversos palcos nacionais e internacionais. Num futuro próximo, The Black Mamba vão lançar "Last Night in Amsterdam", um álbum que podes ficar a conhecer já um bocadinho melhor nesta entrevista.
Os The Black Mamba nasceram em 2010. Como é que se mantém um grupo ao longo de tantos anos? É uma ciência. Quase como um casamento... só que com mais pessoas envolvidas. Portanto, é mais difícil. Um casamento são só dois... [risos] O grupo foi mudando, as formações foram mudando. Chegámos aqui, a esta formação, que é muito bonita e muito amiga... Então, na verdade, é fácil de manter. Espero que esta formação se mantenha para sempre, enquanto o grupo existir. Porque, realmente, assim, é fácil.
Foi a amizade e o gosto pela música, claro, que vos uniu?
Acho que foi a música que nos deu a conhecer a todos uns aos outros, não é? Eu [Tatanka] conhecia o Pity, era o único que eu conhecia sem ser pela música. De resto, todos os outros vieram com a paixão pela música e projetos que fomos fazendo juntos... Depois tornámo-nos grandes amigos e cá estamos.
E nesse sentido... A música é sobre partilha?
Sem dúvida. É partilha. Que é uma partilha também com o público, porque o público é uma coisa só nossa. É uma coisa que primeiro nasce connosco e é uma partilha entre o grupo em si e, depois, quando sai cá para fora, é uma coisa que é partilhada com muita gente. Uns gostam mais, outros menos...
Vocês gostam mais de estar em estúdio, porque estão uns com os outros, ou preferem estar em palco e dar-vos a conhecer ao público? Acho que são duas vertentes diferentes. Nós gostamos muito de estar estúdio. É tipo o nosso laboratório, vamos experimentando, aprimorando, deitando ideias fora, metendo outras... Depois ficamos super orgulhosos do que temos e, claro, queremos mostrar a toda a gente. Mostrar isso ao público é sempre ver a reação do público...
E é inevitável falar da vossa participação no Festival da Canção e na Eurovisão. Sentem que foi uma mudança no vosso percurso? Foi. Foi em muitos aspetos. Mas principalmente nesse de, se calhar, se tornar um projeto conhecido de um grande público. Já tínhamos muito público, já tínhamos feito muitas coisas, coliseus em nome próprio, muitos palcos principais, por exemplo no Alive, Marés Vivas... Mas pronto, é um estilo de música que não é assim tão mains- tream. Acabou por ser o Festival a dissipar e a mostrar também às pessoas que não tinham tido ainda acesso. Foi, efetivamente, uma coisa muito importante na nossa carreira.
Durante o concerto da MARO, ela perguntava mesmo quem é que estava lá e só conhecia a "Saudade, Saudade". Sentem que isso acontece com a "Love is On My Side"?
Claro, mas acho que isso acontece com toda a gente. Hoje as músicas que têm mais sucesso são sempre aquelas que levam a grande maioria do público. Não fiz um censo, ainda, mas acho que sim. Esperam todos pela música. E depois tens os fãs que gostam de todas as músicas, que já é uma percentagem que me parece um bocadinho mais pequena, tens aqueles que estão lá e que não conhecem nenhuma, também.
Não vos entristece? Entristecer, se calhar, é um verbo muito forte...
Na verdade, nós também temos muitas bandas que só conhecemos uma música [risos]. Hoje em dia há tanta informação... Já não se consome a música da maneira que nós consumíamos quando éramos mais novos. Não tinhas dinheiro, compravas um disco e era até riscar. Hoje em dia tens acesso a tudo. Quinhentos milhões de músicas saem por ano, como é que se vai ouvir tudo? E depois também não se pode exigir às pessoas que tenham todas a mesma paixão e o mesmo interesse por música. Há pessoas que, realmente, são muito interessadas e há outras que gostam daquela música que ouviram na rádio naquele dia e pronto. É tudo válido, está tudo certo.
Hoje em dia já não se consome música, se calhar, como vocês consumiam quando tinham a nossa idade e há poucas pessoas a comprar discos, mas vocês continuam a fazê-los. "Last Night in Amsterdam" é para quando?
Muito breve, está mesmo na fase final. Estamos, na verdade, a criar as condições mais ideais para o lançamento do que propriamente a trabalhar no disco, já. Inevitavelmente terá que ser no início do próximo ano, no primeiro trimestre. Porque é uma altura boa para se lançar discos. Eventualmente será aí, dessa já não pode passar... Já dissemos isso muitas vezes nos primeiros trimestres dos anos anteriores, mas acho que deste já não vai passar.
A "Love is On My Side" era inspirada em alguém que vocês conheceram em Amesterdão. Em que é que vai ser inspirado este disco?
Esse disco é todo inspirado, na verdade, em Amesterdão. É um disco conceptual e é passado todo em Amesterdão nos anos 70. A maior parte são tudo histórias fictícias e essa é única que é baseada em factos reais. O resto são tudo coisas alusivas a essa época e um bocadinho à corrente filosófica que se vivia também na altura sendo uma capital hippie do mundo. Então retrata um bocadinho esse imaginário e é baseado também em coisas que lemos e que soubemos de pessoas que efetivamente viveram esses anos lá, como o nosso grande amigo Carlos Gonçalves, que faz parte de todos os nossos discos. Ele participa, de uma forma ou de outra, e neste não vai ser exceção.
E como é que costuma ser o vosso processo criativo?
Varia. Nós mudamos também. Antigamente, o Tatanka já fazia uma produçãozinha, já tinha assim umas coisas muito alinhavadas. Claro que depois nós podíamos dar os nossos inputs e a coisa até podia mudar bastante, mas já havia algum esqueleto. Na pandemia, ou um bocado antes, descobrimos as residências artísticas que é: vamos todos para casa do Tatanka, num retiro espiritual, fazemos um jantar de gala, todos bem vestidos e tudo, bebemos uns Capri Sun - tinto -, e as músicas vão surgindo. Há alguém que dá um mote, um acorde, um groove... Depois, cada um vai dando os seus temperos. Por fim, ou o Tatanka vem com uma linha melódica na altura ou depois mais tarde e fica mais a trabalhar nesse lado melódico e na parte da letra.
Neste disco vai-se sentir muito essa mudança de paradigma na composição. Sente-se bastante. Porque quando tu fazes sozinho fazes sempre à tua maneira, com os recursos que tens. Fazes uma música que apresentas já feita e o pessoal vai vestir à volta... é uma maneira de fazer. Acho que é capaz de ter havido uma ou duas neste disco assim, mas de resto foi sempre um processo inverso. Nota-se mais os inputs e as influências de cada um. Nota-se uma coisa mais de grupo neste disco.
Hoje em dia cada vez mais se ouvem singles e se ignora um bocadinho o conceito de álbum. Acham que faz sentido ouvir, nem que seja por uma vez, um álbum do início ao fim seguido?
Completamente, se valer a pena e se o disco for bom. O problema é que também já não há muitos discos. As pessoas já estão muito mais focadas e, na verdade, do ponto de vista de quem produz o disco, de quem paga o disco, de quem escreve o disco,... Na verdade, é um bocadinho ingrato gastares aquele dinheiro, gastares a tua energia, o tempo, para depois as pessoas realmente não ouvirem. O conselho que eu dava, se fosse para quem fosse produzir um disco, é "não faças um disco" [risos]. Para quem vai consumir o disco... Era bom que as pessoas voltassem a ter essa paixão por ouvir os discos, ver quem gravou, ver quem tocou e quem fez a música... Como se fazia no tempo do vinil. Não sei se vai acontecer. Não sei a maneira como o consumismo vai acontecer de um modo geral. Antes compravas uma máquina e era para durar a vida toda, agora é para trocares daqui a dois ou três anos. Os móveis que tu vais comprar naquela cena sueca não são para durar a vida toda. Acho que é, assim, um bocado uma corrente social e filosófica que se vive agora. Não sei se um dia vai mudar. Eventualmente. Eu gostava que sim.
Mas da vossa parte há esse cuidado de quase contar uma história quando pensam num disco...
Sendo um disco conceptual, acho que faz todo o sentido a pessoa ouvir de uma ponta à outra e não ouvir uma canção isolada, porque acaba por, às vezes, poder ficar descontextualizada ou não se perceber o contexto da canção. Nestes casos conceptuais eu acho que é mesmo importante ouvir-se a obra toda. Nos outros, pronto, fica ao critério do freguês.
E num concerto? Como é que vocês preparam um concerto?
É difícil. Até polirmos o alinhamento certo é difícil. Há muitos pormenores. Esta música ficava super bem, mas é no mesmo tom... Há coisas assim. Agora temos que dar uma mais animada, porque esta foi uma balada. É uma engenharia... Uma feitiçaria, aliás.
E, entretanto, este ano mudamos um alinhamento que já vínhamos a fazer de alguns anos atrás. Meteu-se a pandemia, Festival da Canção, uma data de coisas no meio e nunca houve assim muito tempo. Nunca mais desenvolvemos muito aquele alinhamento que vínhamos a fazer para aí desde 2018... Era basicamente o mesmo, podia mexer aqui ou ali... Então este ano estamos a fazer um alinhamento novo e a coisa é difícil ir ao sítio. E depois, às vezes, percebemos que as pessoas não reagem e temos que trocar. Provavelmente só no fim do verão é que o alinhamento vai estar bom. [risos]
Vocês têm projetos a solo, têm projetos com outras pessoas... Como é que se gere uma banda?
É difícil. Suor e lágrimas. É tramado. O pessoal tem que fazer muitos quilómetros, tem que sair de uma comitiva e ir para outra. O Pity e o Miguel não estão aqui [na entrevista] porque ontem não tiveram day off, tiveram que ir para longe. Nós estávamos em Chaves e não fazia sentido voltar para baixo e vir para Guimarães passado um dia. Ficamos, mas eles já tiveram que ir para baixo e amanhã já vão para a Madeira. E dói, dói no corpinho. Conseguir ir a todas é difícil.
Recordo-me que vocês, na altura do Festival da Canção, disseram que não eram muito estilo da Eurovisão. Sentem que existe essa pressão para ser alguma coisa ou se encaixarem num determinado estilo? Pressão há sempre pressão. Em várias frentes e em vários aspetos. Depois, tem a ver um bocadinho com o teu caráter, o teu carisma, com a maneira como tu queres ceder à pressão. Normalmente há uma pressão... Tu vês, por exemplo, as músicas que estão a bater neste momento, as cenas que estão a bater mainstream. Há sempre uma tentação das pessoas quererem ter um sucesso juntando-se à corrente que está em vigor na época, não é? Tem a ver com a tua perseverança, com a tua força de vontade, com tua crença, valores: "não quero fazer, não gosto, não me identifico, não vou fa- zer só porque acho que vou ter sucesso". Mas há sempre pressões e há sempre pressões da indústria para que tu faças cenas que sejam mais facilmente enquadráveis. Mas a vida é assim, seja aqui, ou seja noutro ofício qualquer. Vai sempre haver pressões para tu fazeres uma coisa que não queres fazer e tu decides.
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