Inaugurado a 20 de novembro de 1938, encerrou em 1993. Apesar da história relativamente recente, são já mais de 80 anos a criar memórias e recordações nos vimaranenses.
Em Guimarães, havia o Teatro D. Afonso Henriques, no largo República do Brasil, que já estava fechado, e o teatro Gil Vicente, na rua Gil Vicente, “muito pequenino, não tinha condições. Começou-se a pensar que era preciso fazer um teatro”, conta José Luís Fernandes.
Apareceu Bernardino Jordão, natural de Fafe, que ajudou a meter mãos à obra e, mais tarde, deu ao nome ao espaço. Martins Sarmento foi o nome apresentado, numa inauguração que contou com mais de 400 pessoas de todos os estratos sociais de Guimarães e de outras cidades. O folheto entregue no dia permitia perceber o tamanho da obra: “as tábuas e escoras gastas nas cofragens e soalhos chegariam para fazer um tapamento a toda a volta da Praça do Toural com uma altura de 20 metros. Se carregássemos um comboio com todo o material gasto nesta obra, teríamos uma composição de 835 vagões excluindo a máquina e o tender ou seja um comprimento total de 9,2 quilómetros, isto é, uma distância igual à que vai da estação de Guimarães até Vizela”. Um teatro com capacidade para mais de 1.200 espectadores nasceu, então, na cidade de Guimarães.
Na primeira pessoa, lembrando-se de várias histórias lá vividas, o vimaranense José Luís Fernandes recorda o esqueleto. “Os lugares não eram todos iguais, eram bilhetes numerados e havia imensas categorias”, diz. Frisas, plateia geral, plateia, camarotes, balcão. As memórias são várias. As frisas, na parte de baixo, levavam seis pessoas, como os camarotes, em cima. O bilhete mais barato era na plateia geral e o mais caro no primeiro balcão, onde os lugares eram estofados. O balcão era feito em escada, subindo degrau a degrau. Havia ainda um hall “muito grande”, onde tinha um bar e “uma menina a vender chocolates e aquelas coisas”. No fundo, os lavabos. O Teatro Jordão fez parte da vida de muitos vimaranenses e José Luís Fernandes frequentou-o sempre. “Vi fazer as obras”, comentou enquanto nos fazia viajar entre as paredes do espaço.
As pessoas também faziam o Teatro. Dois bilheteiros: o do lado esquerdo chamava-se António, era barbeiro na rua de Santo António e, “se a memória não falha”, vendia camarotes e balcões; o do lado direto vendia plateia. Recorda ainda o operador de máquina, “o senhor Neves”, diz, e o fiscal, “que imigrou para o Brasil, chamava-se Caetano”.
Não havia televisão nem telemóveis, o jantar era seguido de um café, no Toural. Ficavam por ali a conversar e, “quando a noite estava boa, era uma voltinha no Toural”, mas, “se houvesse cinema, íamos ao cinema”.
Desabafa que o cinema, atualmente, “já não tem o interesse que tinha antigamente”. As novas tecnologias vieram, de alguma forma substituir um “dos poucos entretenimentos que havia para uma pessoa se distrair”. Por este motivo “tinha que ser grande e bom”.
Começou com apenas um filme por semana, ao domingo à tarde. A quinta-feira à noite passou a fazer parte da programação e as pessoas ganharam o hábito do cinema. A terça-feira e o sábado surgem no cartaz e o domingo passa a receber espectadores duas vezes, às 15h00, na matiné, e às 21h00, na sessão noturna.
“O sábado era dedicado aos filmes de cowboys. Não faltava a um”, revive José Luís Fernandes. Não se lembra de muita coisa do início do Teatro Jordão, tinha apenas 11 anos de idade, mas quando começou a trabalhar já “ganhava dinheirinho para comprar um bilhete para o cinema”. Quando o filme acabava, confessa, “ia ao Vira Bar beber um fininho e comer um prego”, ri.
Ao domingo, da matiné, dez tostões davam entrada para duas pessoas, “normalmente eram os homens e os rapazes que iam ao cinema”. Havia ainda um lote de bilhetes para o mês todo e o porteiro furava os cartões, “como nos comboios”, conta. Por 30 escudos por mês, “a cadeira era nossa, ninguém se sentava nela”.
Para além do cinema
A sétima arte que ocupava o Teatro Jordão deixou de ser a única atração. As revistas vinham a Guimarães depois da estreia e da temporada em Lisboa e no Porto. “Davam uma volta pela província”, como lhe chamavam, Braga, Guimarães, “e talvez Coimbra”, diz, sem certezas, o vimaranense. Em tom de brincadeira relembra os “atores da altura”: “eu ainda me lembro deles, vocês só de nome ou de fotografias”. Grandes nomes pisaram aquele palco. Na cabeça, tem um concerto organizado pela Sociedade Musical de Guimarães, com Guilhermina Suggia, que era considerada, na altura, a “violoncelista mais famosa do Mundo”. A maioria das vezes atuava no estrangeiro, era raríssimo atuar em Portugal.
O Teatro Jordão era também o local escolhido pelos estudantes do Liceu de Guimarães para comemorar o Primeiro de Dezembro com uma récita. Os alunos, depois de ensaiar no Santa Estefânia, subiam ao palco do Jordão. Tinham direito a conhecer os bastidores. “Tinha uma série de camarins, o palco era muito grande, era um salão de categoria”, sorri.
Os mais novos recordam o Jordão pelo restaurante, pelos almoços em família. Precisamente porque o edifício foi “feito com mestria e pensando no futuro”, havia uns fundos, onde mais tarde nasceu o restaurante. Era o local dos bailes e havia dois, na cidade, monumentais e famosos na região: o Baile de Carnaval e o Baile da Passagem de Ano.
O ponto de encontro da educação e da cultura
O Teatro Jordão vem resgatar memórias de um lugar que marcou gerações de vimaranenses e recuperar um edifício emblemático da cidade. Por outro lado, diz Adelina Paula Pinto, vereadora da Cultura e da Educação, o espaço vem “continuar a cimentar Guimarães não só como um território de consumo de cultura, mas também de criação de cultura”.
Aqui, vão juntar-se duas áreas. A educação será representada pelas três escolas lá sediadas, Artes Visuais e Teatro, da Universidade do Minho, e ainda o Conservatório de Música, passando, assim, dos mais novos ao ensino secundário. Já a cultura encontra, no Teatro Jordão, “espaço de criação, de exposição ou espetáculo e espaço de criação de público. Um espaço capaz de criar novas gerações de artistas nos vários domínios das artes visuais e acrescentar à cidade esta parte”.
O quarteirão do Bairro C está a crescer. À ciência, ao conhecimento e ao consumo de cultura, junta-se, agora, a criação de cultura. A partir daqui, vem a exportação de artistas e de produto, uma “mais-valia para o território”, olhando sempre para a cultura como “base de diferenciação do cidadão”. É de pequenino, acredita Adelina Paula Pinto, “que se vai tendo esta camada acrescentada que a cultura pode dar na formação de um cidadão do séc. XXI”.
O auditório será um novo espaço de programação em Guimarães com cerca de 400 lugares. Vai permitir que não só os estudantes e todos aqueles que vão, de alguma forma, habitar este espaço, mas também os cidadãos, vimaranenses ou não, continuem a usufruir daquilo que as próprias escolas vão criar. Será autónomo e garante, assim, o funcionamento independente, podendo acolher atividades exteriores.
Uma memória para o futuro
O sentimento parece geral e a sensação é de que a população está “desejosa de entrar e perceber o que foi feito”. Não fosse este o espaço que faz parte da memória de uma geração que começou a ir ao cinema no Teatro Jordão. “Essa memória tem de ser não só preservada, como alavancada. Não pode ser uma memória de alguns, mas também de uma geração mais nova, que já não tem essa vivência do Teatro Jordão, apenas tem da fachada, das histórias contadas e das memórias que são passadas”.
A inauguração poderá permitir que, ao longo de uma semana, as pessoas entrem e “confrontem as suas memórias”. “Está diferente”, contou a vereadora, “o átrio é o átrio do Teatro Jordão, para quem se lembra dele, mas ele próprio remodelou-se e inventou-se”. O exterior do edifício será preservado e o interior será mantido até ao limite do que for possível.
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