Foi no Montijo que Rosinha cresceu. Uma cidade que lhe trouxe o acesso aos ranchos folclóricos e aos bailes da aldeia e onde há o hábito de bailaricos de acordeão ou teclado. Tirou um curso de música em Lisboa, mas não foi para o Conservatório, “porque o acordeão era considerado um instrumento tradicional e não era lecionado”.
Como é que começas mais a sério na música?
Andei a estudar música, a minha professora era acordeonista da Orquestra do Calvário, em Londres, e queria que eu seguisse música clássica. Andei seis anos a aprender música clássica em Lisboa. Mas o que eu queria mesmo era fazer bailes e ganhar dinheiro com aquilo que sabia. Ia para casa e, em vez de estudar o que a minha professora mandava estudar, estudava as outras músicas.
Aos 18 anos fiz o meu primeiro baile, dia 24 de dezembro. Isso foi a única coisa, na música, que eu desejei, fazer o meu primeiro baile. Fiz durante 17 anos, carregava as colunas, montava a aparelhagem, fazia o som… Cheguei a fazer oito horas seguidas de baile. O acordeão e a concertina eram considerados, há muitos anos, instrumentos menores. Na fase de transição, das pessoas até começarem a achar piada, começaram a convidar-me para gravar, para ir ao estrangeiro…
Entretanto o meu produtor convidou-me para gravar um disco, mas eu detesto estar em estúdio. Gosto é disto, de estar com as pessoas mesmo que me engane. Porque é que eu aceitei gravar? Os meus pais eram quem me ajudava a montar, descarregar, ficavam a noite toda à espera que acabasse… O meu pai estava a ficar muito doente e eu estava a sobrecarregar muito a minha mãe. Depois o Páquito voltou-me a convidar para três ou quatro projetos e disse que era a solo. Explicou-me e eu pensei “se correr bem, tudo bem, se não correr bem, tudo bem na mesma”.
E as músicas e as letras vêm de onde?
Já nos bailes tocava covers e nos refrões dava sempre a volta àquilo para ter um bocado mais de graça. Sempre contei muitas anedotas, metia-me com toda a gente – não conhecia as pessoas, mas éramos uma grande família naquele dia –. O Páquito conhece-me desde sempre e achou que eu tinha algum à vontade para conseguir estar em palco e cantar este género de música. Sinceramente, não me faz diferença nenhuma. Todos os anos gravo um disco e quando recebo as músicas, que são ele que escreve, digo muitas vezes “não pode ser, isto não é para mim, é muito soft”. Já aconteceu, menos vezes, mas já aconteceu, dizer “menos, quem vai dar o corpinho ao manifesto sou eu, menos”. Mas não tenho qualquer problema. Porque o problema não está no que eu canto, está no que vocês ouvem.
Sentes que és acarinhada pelo público em qualquer lado?
Normalmente sim. Até hoje sim, pelo menos [risos]. Tenho uma divisão em casa que não imaginam o que tenho lá dentro. Desde telhões com dedicatórias, a pares de cornos, bananas de peluche, galos de Barcelos, colheres de pau – tenho quase 300! –, pacotes, cartolinas… Tenho muitos milhares de coisas. Isto é o meu trabalho, sem dúvida. Vivo do dinheiro que ganho do meu trabalho. Mas o dinheiro eu gasto. O carinho que recebo fica sempre comigo.
Nunca sentiste nenhum tipo de preconceito?
Sim, claro que sim! A gente ri e continua a fazer o que tem de fazer. Fui a primeira mulher a dar a cara a cantar este género de música. Obviamente que as pessoas, não diria que não estavam preparadas, mas não estavam à espera que aparecesse uma maluca a cantar estas coisas. Lembro-me, no início, de estar a cantar o pacote. As primeiras quatro ou cinco filas eram só idosos, com a sua bengalinha e havia uma senhora que tinha um saquinho de pano. Eu estava a cantar “eu levo no pacote” e a senhora a dizer “que é que ela está a dizer? Não acredito que a mulher tem coragem”. Acabei a música e obviamente fui àquela senhora perguntar se não levava no pacote e a senhora a tapar a cara. Expliquei-lhe que levo no pacote, porque sou contra o saco plástico e disse-lhe “a senhora é pior que eu. Além de levar no saco de pano, está agarrada ao pau” [risos]. No final, foi tirar uma fotografia comigo.
Também acontece muito isso de dizerem que não gostam e, afinal, são fãs?
O meu sobrinho passava férias comigo, ouvia as músicas e cantava. Quando era pequeno, os pais deles foram chamados à escola… Começou a fazer as festinhas de anos com os amigos e os amigos começavam a dizer que a Rosinha era feia, que não era boa… O meu sobrinho dizia que igual à tia só a Shakira [risos]. Entretanto, passado três anitos, liga-me, tinha vindo de uma festinha de anos. “Tia, não sabes o que aconteceu. Sabes aquele meu amigo? Fui à casa dele e precisei de ir à casa de banho. Sabes o que encontrei? Dois discos teus! E ele diz que não prestas, não sabes cantar e que não és bonita!”.
Eu própria não ouço a minha música todos os dias. Mas se for para uma brincadeira eu ponho uma música minha, se for para brincar com alguém vou buscar um refrão meu. Obviamente, as coisas têm de se pôr no seu contexto. Não me levanto amanhã e ouvir Rosinha. Duvido que alguém faça isso. Vivo muito bem no meu galho. Sou popular, acordeonista, canto música brejeira, divirto-me imenso com aquilo que faço, canto nos coretos, na roulotte, no palco,… Sou esse tipo. Não sou de fazer grandes concertos em grandes salas. O meu público é o pessoal da rua, do arraial, do bailarico. E eu sinto-me tão bem assim!
Tiveste a oportunidade de estar com os utentes do lar de São Francisco…
Se eu não trabalhasse na música, gostava de trabalhar com idosos ou com animais. Ter estado com os idosos trouxe-me mais alegria do que aquela que vocês possam pensar. Admiro mesmo! E têm tanta coisa para ensinar. Nós é que achamos que já sabemos e já vimos tudo. Vocês ainda estão longe, mas eu não estou assim tão longe daqueles senhores. Só visto saias mais curtas [risos]. Com a idade, começamos a perceber que chegamos lá num instante. Mas eu sempre gostei de pessoas mais velhas. Cedo apercebi-me que se uma criança cai há dez pessoas para ajudar a criança – e é preciso e são de louvar! –. Se um idoso cair há de haver uma e leva o seu tempo a chegar ali. Amo crianças, não está em questão, mas acho que são mais protegidas – não podemos ver muitas notícias para não mudarmos de opinião –. Num contexto dito normal, acho que – e há pessoas maravilhosas a cuidar de pessoas idosas –, há uma chamada de atenção menor para as pessoas idosas.
Há um ditado que eu gosto muito de usar. As pessoas, quando olham para ti, só veem o vinho que tu bebeste, não os tombos que deste. Estás ali com o teu sorriso e as pessoas pensam “está feliz, não faz nada, não anda cansado”. E tu possivelmente não dormiste porque estiveste a cuidar de alguém que se calhar até teve problemas de saúde durante a noite e tu nem dormiste. Mas tinhas um compromisso e estás ali, com o teu melhor sorriso.
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