Sara Barros Leitão abraçou o desafio de fazer a direção artística do Teatro Oficina para o presente ano. Assumindo que “nada é certo na vida e na arte”, no início deste caminho, falou de uma peça que teria como título “Há Ir e Voltar”. Mas nem isso era certo.
Escrito e encenado pela própria, interpretado por Diana Sá, Gisela Matos e Susana Madeira, “Há Ir e Voltar” levou-nos a revisitar o Espaço Oficina, um espaço com muito potencial. “Há muita coisa que se pode fazer aqui”, confessou-nos ainda em março.
Ir ao Espaço Oficina é ir bem antes das Pancadas de Molière e sair bem depois de os atores saírem de cena. É ter tempo para um copo de vinho ou uma caneca de chá e poder levá-lo para dentro. É sentir que estamos em casa e poder visitar cada canto da mesma. É sentir que fazemos parte da equipa e ver os estudos para cenografia, figurinos ou luz.
O mote é simples, “quase como Sérgio Godinho diz: a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Com ou sem expectativas para voltar, a procura pelo básico leva-nos a ir. “Quando não tens isso, tens de procurar um sítio melhor para poderes ter esse projeto que é viver e que tu não escolhes fazer parte. Simplesmente apareces e depois o mundo trata de te tentar expulsar dele”, apresentou Sara Barros Leitão.
Partindo “com uma série de caminhos e possibilidades”, em que a questão das migrações era apenas um dos caminhos, Sara Barros Leitão manteve-se em “diálogo constante com a equipa e com aquilo que a equipa tem para dar”. Afinal, “é diferente partir para um Shakespeare em que já há uma partitura e perceber com aquela equipa como é que aquilo se põe de pé ou partir para um espetáculo em que não há nada e construímos tudo”.
Somos, todos os dias, invadidos por notícias. Diariamente, pelos nossos ecrãs, entra a realidade da Ucrânia, da seca, da desumanização. “Começamos a voltar a pensar nas migrações, só que esta questão esteve sempre lá”, lembra a encenadora que frisa que “fomos nós que construímos fronteiras. A ideia de fronteira é uma ideia nossa, a ideia de que uma pessoa nasce numa parte do mundo e tem acesso a uma série de coisas e nascendo noutras tem acesso a outras”.
“Na partida há desejos e sonhos, mas também pode haver desespero, sobrevivência, violência. Na viagem, às vezes há mar, outras ar, outras terras. Às vezes há botes salvavidas que matam vidas, noutras, camiões que asfixiam, passadores com promessas impossíveis. Na chegada, às vezes há oportunidades, às vezes há emprego, às vezes há esperança. Às vezes, há integração, apoio, e lugar para a alegria. Noutras, ilegalidade, trabalho clandestino, precariedade, exploração. Às vezes, ir não é uma escolha, é a única alternativa. Quando o mundo encolhe de um lado, devia aumentar do outro. Às vezes chega-se. Às vezes volta-se. Tantas vezes nem se chega a conseguir partir. Quantas vezes não se chega a conseguir chegar. Tantas vidas passam a viver num lugar de espera. Quantas terminam sem nunca começar.”
Com 32 anos, e sabendo que a sua geração passou por muitas crises, Sara Barros Leitão diz que a crise dos refugiados é a crise principal. “Temo que seja a crise das nossas vidas ao termos de ir também”, desabafou. Este cruzamento de migrações que estão tão vivas, “faz-nos refletir que não tarda seremos nós, seja por uma questão económica, que foi aquela que mais sentimos até agora, seja por outra”. Exemplificou a sua opinião com a questão das alterações climáticas. “Foi um dos verões mais quentes e as imagens do chão dos nossos rios são impressionantes. Enquanto construímos o espetáculo, na reta final, o Paquistão tem umas chuvas que inundam um terço do país. É impressionante começarmos a pensar nisso”.
Sara Barros Leitão começou, com um espetáculo sobre partidas, “a fazer as malas desta viagem que foi um ano a dirigir esta companhia”. Foram meses “de muitos sonhos que, como sabemos, nem todos se conseguem tornar realidade”, escreveu nas suas redes sociais. Mas lembrou também: “a aprendizagem individual que levo é imensa e, por isso, tudo valeu a pena”.
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